O teletrabalho é a forma de trabalho realizada em lugar distante do escritório e/ou centro de produção, que permita a separação física e que implique o uso de uma nova tecnologia facilitadora da comunicação.
Cada vez mais se torna comum utilizar plataformas que possibilitam o trabalho remoto. Segundo o Global Leadership Summit, 1 em cada 4 empresas espera que até 2020, 75% da sua mão de obra esteja trabalhando fora de escritórios tradicionais.
Diante dessa nova realidade, a reforma trabalhista, acrescentou dispositivos para regular esse tipo de modalidade de trabalho. Entretanto, a própria legislação criou incertezas em suas normas.
- A JORNADA DE TRABALHO DO TELETRABALHADOR
A reforma trabalhista trouxe diversas mudanças nas relações de trabalho. O modificado artigo 62, III, da CLT trouxe as novas disposições da jornada do teletrabalho:
Art. 58 – A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.
Art. 62 – Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:
III – os empregados em regime de teletrabalho.
No que tange ao regime de jornada de trabalho, disposto para este tipo de trabalhador, a mudança estabelece que não haverá mais controle de horário para tais funcionários, desobrigando o empregador ao pagamento de horas extras, adicional noturno, concessão de intervalos, dentre outros direitos concedidos aos trabalhadores fora do enquadramento.
- A PROBLEMÁTICA DA AUSÊNCIA DE CONTROLE DE JORNADA
Cabe esclarecer que o artigo 62 da CLT versa sobre uma situação excepcional: a ausência de controle de jornada a certos postos de trabalho, em razão da natureza incompatível.
Com o desenvolvimento da tecnologia, há cada vez menos funções incompatíveis ao controle de jornada. O trabalhador externo, anteriormente excluído do controle de jornada, por trabalhar longe do estabelecimento do empregador, hoje não se encontra, necessariamente, isento do referido controle.
O clássico exemplo disso é o motorista rodoviário. É de se imaginar que há 30, 40 anos, controlar a jornada de um motorista era algo inviável, uma vez que não existiam meios, como telefones celulares, rastreadores, para conferir a execução do trabalho do funcionário. Hoje, por outro lado, qualquer empresa que realize transporte sabe, por meio de tecnologia aplicada, onde estão os seus veículos, a que velocidade ele se encontra ou quanto tempo permaneceram percorrendo estradas.
Portanto, o fato do motorista rodoviário ser originalmente um trabalhador externo, também alheio ao controle de jornada pelo artigo 62 da CLT, nos dias atuais, já não garante a possibilidade de o empregador deixar de controlar sua jornada, em razão dos diversos meios já citados.
Há de se ratificar que o controle de jornada é a regra geral, por se tratar de algo benéfico ao empregado, que lhe garante a percepção de diversos outros benefícios trabalhistas e, por isso, os Tribunais, reiteradamente, exigem um controle efetivo por parte do empregador:
HORAS EXTRAS. TRABALHO EXTERNO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE DE HORÁRIO. INAPLICABILIDADE DA EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 62, INC. I, DA CLT. A prestação de serviços fora do âmbito do empregador, “de per si”, não enquadra o empregado na exceção de que cuida o art. 62, inc. I, da CLT, sendo imperioso que a atividade externa seja efetivamente incompatível com a fixação de horário de trabalho. (RO 0005856-40.2014.5.12.0051, SECRETARIA DA 2A TURMA, TRT12, AMARILDO CARLOS DE LIMA, publicado no TRTSC/DOE em 11/10/2017)
TRABALHO EXTERNO. ART. 62, I, DA CLT. CRITÉRIO DE ENQUADRAMENTO. Tratando-se a hipótese do labor externo contemplada pelo inciso I do art. 62 da CLT de norma de exceção ao § 2º do art. 74 do mesmo diploma, sua interpretação deve ser pautada pelo critério restritivo, sob pena de violação ao sinalagma contratual. Nesse passo, não é o mero caráter exterior das atividades que induz à imediata exclusão do regime de limitação de horas de trabalho, mas, sim, a real impossibilidade de qualquer controle patronal sobre a jornada. Assim, verificado que, pelas caraterísticas do trabalho e condições de sua execução, detinha a empresa meios hábeis e bastantes para implementar a fiscalização da rotina laboral de seus empregados fora do estabelecimento comercial, não há falar no enquadramento do obreiro na exceção em epígrafe, sendo-lhe devida, por conseguinte, a contraprestação pela suplementação desempenhada no período. Decisão primeira ratificada. (RO 0002707-51.2014.5.12.0046, SECRETARIA DA 3A TURMA, TRT12, LIGIA MARIA TEIXEIRA GOUVEA, publicado no TRTSC/DOE em 14/06/2017)
Do mesmo modo, embora a reforma trabalhista disponha explicitamente que o teletrabalhador também esteja excluído do controle de jornada, tal exceção ainda passará pela análise da possibilidade de o empregador utilizar de meios tecnológicos para a constatação do efetivo tempo de trabalho do seu empregado. Assim, definindo se realmente este tipo de trabalhador estará, no caso concreto, fora do controle de jornada.
Obviamente, é de se imaginar que a fiscalização das atividades do teletrabalho, principalmente nos novos setores que utilizam fortemente esse tipo de modalidade, como os setores de tecnologia em “home office”, é algo plenamente possível e até consideravelmente fácil, por meio de softwares dos mais diversos.
Nesse caso, mesmo que a CLT disponha que o teletrabalho esteja fora do controle de jornada, havendo a clara possibilidade nesse sentido, tal dispositivo perderá sua aplicabilidade em casos similares.
O professor Homero Batista, em seus comentários à Reforma Trabalhista, também constatou este problema com as novas disposições trazidas pelo artigo 62, III da CLT:
“Havendo meios acessíveis de controle de jornada, por unidade de produção, fiscalização direto, por meios eletrônicos, não se deve impressionar com o fato de o trabalho ser realizado à distância, em dependências estranhas aos empregados, na residência do empregado, em cafeteria ou em espaço coletivo de trabalho, tudo isso continua irrelevante para o direito do trabalho, assim como o serviço externo somente se enquadra no art. 62 se for efetivamente incompatível com o controle de jornada.”
Nesse sentido, se um empregador aplicar o disposto na reforma para seus funcionários em regime de teletrabalho, é possível que, posteriormente, em um futura Reclamação Trabalhista, a Justiça do Trabalho verifique a possibilidade concreta de controle de jornada e, assim, condene a empresa a pagar todas as horas prestadas além da oitava diária, bem como adicional noturno e supressão de intervalos durante toda a contratualidade. E ainda, se fossemos liquidar tal verba, seria necessário considerar os reflexos aplicados nas demais, gerando um verdadeiro “passivo bola de neve”.
Essa análise demonstra o grau de insegurança jurídica que ainda permeia a Reforma Trabalhista mesmo após um ano de sua entrada em vigor, já que muitas vezes suas modificações vão contra o entendimento sistemático do direito do trabalho, por anos aplicado pelos Tribunais.